Flâner
Tradução Alessandro Atanes
Um vizinho meu, pequeno lojista loquaz e cultivado, que viveu de jovem alguns anos em Paris, me dá uma edição curiosa de um livro de Bernanos. O exemplar é uma reminiscência daqueles bons tempos de sua estada parisiense. Me disse:
- Eu havia feito a mim mesmo uma dupla promessa, e a mantive rigorosamente: não empenhar nenhum objeto importante de minha propriedade nem emprestar um centavo a alguém... Paris é uma cidade grande, mas uma cidade cara. Quero dizer a Paris agradável, dos teatros e dos concertos, da ópera e dos cabarés. Era assim na minha época.
- Não acho que as coisas tenham mudado tanto...
- Eu ganhava um salário muito pequeno. E o que vai fazer um jovem estrangeiro em Paris sem dinheiro no bolso?
Penso em uma resposta equânime, moral e evasiva:
- Caminhar...
- Sim, senhor. Não bem caminhar: flâner. Há palavras que não tem tradução. Flâner, em francês, como você traduziria? Flâner é caminhar, vagar pelas ruas, concordo. Mas eu diria que isso não explica tudo.
- Talvez não, certamente
- Flâner é uma grande diversão. Chegava ao meio da tarde e não sabia o que fazer. A solução mais econômica era esta: caminhar. Caminhava ao azar, tranquilamente, sem preconceitos. Era muito distraído.
- Já me imagino.
- Flâner é caminhar, mas caminhar de uma maneira especial. Aqui as pessoas não passeiam como as pessoas de lá.
- Provavelmente, não. Aqui gostamos mais de não caminhar, e se caminhamos, é para olhar a paisagem, ou para continuar a conversa iniciada no cassino com os amigos, ou para tomar sol.
- Daquela experiência tirei a conclusão que flâner é uma criação específica do folclore parisiense. Somente o cenário de Paris possibilita uma coisa assim.
Faz uma pausa e eu espero que continue.
- As ruas, os indivíduos que encontrava pelo caminho... não me interessavam nem um pouco. Eram ruas como quaisquer outras, e uns indivíduos desconhecidos. Deve-se fazer força para vê-los e admirá-los. São esquecidos em seguida. Mas, enquanto isso, nos divertem.
- O mundo é um espetáculo curioso, certamente.
- O mundo? Paris.
Talvez tudo isso seja somente o resíduo de uma intoxicação literária que perdura na memória de meu interlocutor. Não sei. Nem tampouco saberia dizer se o valor semântico que tenta dar ao verbo flâner, a base de suas lembranças juvenis, tem alguma consistência.
- Flâner..., repete ainda em plena evocação.
Penso em Bernanos, e não me imagino em Paris. Mas isso não tem importância.
Joan Fuster. Flâner. In: Diccionari per a ociosos.
Tradução do catalão: Alessandro Atanes